21 outubro 2010

(re) encontros...



A propósito de várias coisas que acontecem à minha volta, com os meus, e claro, a propósito desta loucura que é a maternidade - tudo gira á volta do meu João, ultimamente! - penso em como é fácil nos aniquilarmos. Em como é fácil perdermo-nos pelo caminho, muitas vezes pelas melhores das causas, muitas vezes sem darmos conta, muitas vezes simplesmente porque estamos a viver a vida que nos é dada a viver. Sem fazermos um esforço por vivermos a que queremos viver.

 É fácil encostarmos o ombro em alguém que nos leve pela mão.

 É fácil ter um porto de abrigo que não nos obrigue a pensar, a questionar permanentemente e assim muitas vezes deixamos de fazer escolhas que realmente nos interessam.

 É fácil ir atrás dos objectivos de uma outra vida qualquer que não a nossa - é mais cómodo no final das contas - acatar os conselhos dos pais, focarmo-nos no bem estar supremo de um filho, seguir as vontades de um amor.

 É fácil vivermos enredados num sem fim de coisas importantíssimas que não tem importância nenhuma e esquecermos de nos deliciar com as nossas músicas de sempre, de perder uma tarde a ler um livro de poemas, de encontrar cada dia novas paixões - perdemos algures a capacidade com que nascemos para nos deslumbrarmos com cada mínima coisa deste  mundo - os olhos pasmos do meu bebé a olhar para cada coisa, cada cor, cada movimento prova-o!.

 Por mais que nos custe, ou que sejamos olhados de lado como uns aliens, ou pessoas a precisar de "um rumo" ou uma "ajudinha" de qualquer fármaco que nos aliene outra vez e nos ponha no " bom caminho" é bom que não tenhamos medo de nos lembrarmos de nós todos os dias! De virar a mesa se for preciso para nos voltarmos a encontrar: estar só quando mandava  a ordem social estar acompanhado, estar lá quando mandava o bom senso estar cá, arriscar quando mandava a prudência reflectir, mudar prioridades quando o nosso coração diz que sim!  

Relembrar os nossos sonhos, as nossas ambições, as nossas metas ou a falta delas, os nossos gostos, as nossas vontades, o nosso tempo, os nossos lugares - tudo  o que nos define como indivíduos e sem o que não podemos de forma  nenhuma ser felizes nem fazer felizes com quem  partilha a nossa vida.

LETRA A


A de amor ou de Ana.

Já viste que o teu nome se escreve de trás para a frente da mesma maneira que da frente para trás?
Isso tem um nome no mundo dos crescidos, mas aqui chama-se apenas magia - é um sinal de que o mundo é uma esfera e que, não importa onde se começa, vamos sempre passar pelos lugares que nos estão destinados e voltar ao ponto de partida.

Sem sobressaltos. Com a doçura que só tu sabes pôr nas coisas  - como a que pões na tarte de maçã, se bem que essa sai de um frasco branco de vidro com tampa de metal e tem uma cor dourada. Não importa se é aí que vais buscar a que pões na vida também - tens sorte porque, pelos vistos, o frasco nunca esvazia. Aliás parece que quanto mais gastas, mais açúcar amarelo há lá dentro !

Tu dirias com um sorriso matreiro: então não sabes que as bruxinhas da despensa estão sempre a encher os frascos que mais gostam? É o preço justo a pagar por as deixar viver lá, entre as prateleiras forradas a papel com maças e azevinhos desenhados, por mantermos a sua casa limpinha e abastecida e com um perfume que não se vende em nenhuma Sephora e cujo segredo da fórmula só eu sei - alquimista de dedos delicados que sou: alguma canela e açafrão da índia, apenas um pozinho de flor de sal e cominhos contagiado com um leve odor de tomilho e oregãos. Desculpa não poder revelar as quantidades nem um ou outro ingrediente secreto -  como os chocolates que guardo na prateleira da direita ou as tigelinhas de marmelada de setembro que ficam a acabar de secar nas prateleiras de cima de todo ou as açucenas que às vezes lá deixo em água antes de as pôr nos jarros e espalhar pela casa toda.
Elas gostam de morar ali - é secreto, quase sempre escurinho e acolhedor e em troca enchem-te um ou dois frascos de vidro  - um escolhem elas outro escolhes tu, tudo é negociação neste mundo de homens e bruxinhas!

Tu, Ana, claro, escolheste o das folhas de tília. Primeiro porque te agrada o som quando dizemos tília em voz alta - muito mais do que cidreira ou camomila. E depois porque é o preferido das tuas amigas quando as reúnes para o chá.

Não é às cinco porque não são inglesas e nem gostam de horários. É quando lhes apetece aparecer. Quando dizem o código secreto ( agora até basta pensarem nele, porque já são amigas há muito tempo!)  que abre as portas dos corações ligados uns aos outros por esse fio de prata delicado que se chama amizade e logo se encontram juntas a tomar chá. Na tua cozinha. Na mesinha contígua à despensa, claro - para que sintam esse perfume delicado e único que encanta as bruxinhas.

Podem ficar horas assim, a conversar de tudo e de nada, a contar estórias mil vezes recontadas e que nunca as cansam, nem a ti. Podem ficar em silêncio , o olhar perdido no papel das maças e azevinho que forra as prateleiras e de onde, de vez e quando, parece saltar um bruxinha mais coscuvilheira. Tu não te importas - sabes que és boa a dar-lhes colo e mimo e que precisas delas para que os teus dias sejam sempre de sol - mesmo quando lá fora chove como se fosse janeiro e o céu é de chumbo. Mesmo que às vezes os seus olhares sejam tristes. Mesmo que às vezes a chuva de janeiro passe para os vossos olhos.

No entanto a maioria das vezes o riso invade a cozinha e os rostos de todas e aí não há horas, nem minutos, nem idades, nem afazeres, nem obrigações! 

Até que o cuco que vive dentro do relógio da parede, por cima do fogão - ( é mais quentinho no inverno e sempre vai debicando do teu arroz malandro ou da sopa de abóbora!) anuncia que já é noite ( ou já é dia, depende!) e elas se vão embora.

Na mesinha junto da despensa ficam, em cima da toalha de linho branco que era da avó, as chávenas brancas com risquinha azul, onde lhes serves o chá de tília, vazias e, no prato de cristal transparente, duas ou três fatias de tarte de maçã  que tu cortas em pedacinhos pequeninos: mal te deites na tua cama de dossel, virão as bruxinhas mais gulosas saboreá-las  - são as suas preferidas, já se sabe, cobertinhas de açúcar amarelo !

LETRA I




A ilha era longe. E só de barco lá chegávamos. Nós e os outros que a escolhiam há muitos anos para passar as férias grandes.
Chegávamos sem falta no dia 1 de Agosto – cada um vindo de seu lado: uns dos países frios do norte, outros dos países húmidos do oriente, outros das terras quentes do sul e ainda havia os que vinham do oeste.

Na ilha, cada um tinha a sua casa, embora em sítios muito diferentes –  umas aninhadas nas dunas da Praia Grande,  outras mergulhadas nas ruelas brancas da Vila,  ou ainda outras empoleiradas nos planaltos do Monte Verde. Mas todas eram parecidas. Não se avistavam logo, quando chegávamos pelo mar. Só um olhar mais atento e mais de perto as descortinava –elementos de madeira ou cal branca, algum vidro e ferro. Confundiam-se com a paisagem: as casas da montanha tinham trepadeiras a forrar as suas paredes e telhados, e jardins selvagens a rodeá-las , as da Vila eram branquinhas como as ruas, apenas com portas de cores diferentes a demarca-las umas das outras – e era assim que eram conhecidas: Casa Azul, Casa Rosa, Casa  Verde e por aí fora. Tinham roseiras e azáleas em vasos nos páteos que se sucediam, formando um único cordão aromático A nossa era uma das casas da praia – e também essas, nos seus tons beje, malva e verde, passavam despercebidas no conjunto da areia fina e das plantas e flores  que cresciam nas dunas.
O pai dizia que as casas se aconchegavam ao seu local, de ano para ano, que iam ganhando as características do sítio onde moravam – como nós, quando vivemos muito tempo com alguém nos vamos tornando parecidos com essa pessoa.

A nossa casa ficava do lado este da Ilha, protegida do vento. Era baixa, de um só piso, e tinha um portão verde. Lá dentro tinha uma sala com uma cozinha onde a mãe nos fazia panquecas para o pequeno almoço e o pai cozinhava saladas de queijos e legumes para quando chegávamos da praia cheios de sol e de sal. Tinha o nosso quarto e o dos pais  e um alpendre atrás onde ficavam guardadas as bicicletas para as passeatas do fim de tarde – a luz já a escorrer, mansa, pelo céu  abaixo enquanto pedalávamos,  pássaros de bico amarelo a voar ao nosso lado em corridas amigáveis , e no fim,  os figos roubados às figueiras de ninguém a saberem-nos a  mel!
Todas as manhãs o ritual se repetia: mal o sol espreitava pelo linho branco de que eram feitas as cortinas nas  janelas  dos quartos sabíamos que era hora de vestir os fatos de banho e zarpar para a Praia Grande – dali a pouco chegariam todos os outros e havia risadas misturadas com gritos de brincadeiras e splachs de braçadas desajeitadas e mergulhos imprudentes naquele mar que era de um azul quase verde e tinha peixinhos a nadar connosco de um lado para o outro em cardumes dourados. Os nossos amigos chineses diziam que davam sorte – talvez por isso o mar se mantivesse tão transparente e límpido todos os anos!
De tarde podíamos voltar ou não – era conforme nos apetecia.
Às vezes ficávamos no jardim de trás a construir esconderijos  e a formar clubes secretos, ou a explorar os caminhos do Monte Verde e os seus habitantes  - lagartinhos, caracóis, azevinho, musgo e andorinhas, ou então íamos comer gelados para o coreto abandonado na praceta da Vila.

Quando anoitecia acendiam-se luzinhas por toda a ilha  - nas pracetas, nos caminhos e nos quintais e nos barcos e havia sempre uma música indefinida que devia ser a mistura das vozes, da brisa marítima e das violas que ecoavam daqui e dali.
Mas os nossos dias preferidos eram aqueles, raros, em que a ilha amanhecia encoberta de uma neblina que parecia algodão doce e a mãe dizia com um sorriso – hoje não há praia! Temos programa alternativo! 
Embora deixássemos escapar um suspirativo ohhhh, os nossos olhos não mentiam ( como não mentem nenhuns!) e neles via-se a secreta satisfação de quem antecipa no coração o que se passava a seguir – em algazarra boa íamos buscar umas mantas de algodão ao Baú das Coisas Velhas e aninhávamo-nos com ela, no banco de baloiço do terraço. Os outros iam chegando pelo dia fora, em bando ou aos pares, juntavam almofadões e cadeirinhas, uns traziam biscoitos de amêndoa, outros chocolate quente em termos que partilhavam na mesa grande da sala. A mãe fazia taças gigantes de iogurte com mel e partia fatias de pão que barrava com compota de abóbora com nozes para quando nos desse a fome e ali ficávamos – a ouvi-la contar histórias intermináveis porque o fim levava sempre ao principio de outra, a inventar letras e melodias que ensaiávamos em coro, a rodopiar em coreografias malucas.

Partíamos no último dia de Agosto – a pele tostada e os cabelos mais claros do sol, os sorrisos a saber a sal  e os olhos com o mar azul quase verde entranhado neles e no regresso contávamos as aventuras e desventuras do verão na ilha. Quando nos perguntavam – então e quando não está bom tempo, o que fazem? Encolhíamos os ombros num esgar a ensaiar uma tristeza – Nada! respondíamos, com os olhos a brilhar de felicidade.

LETRA B







O rapaz vivia no barco -  praticamente.
Tinha uma casa, junto à praia, onde ficava algumas vezes – para matar saudades do seu amor, para descansar das longas viagens ou quando as noites de inverno se sucediam num céu escuro sem fim e o mar se tornava denso e impenetrável para o seu singelo barco à vela.
De resto, estava sempre no barco – em alto mar, atracado em portos próximos ou longínquos, balouçando ao largo de praias desertas, em pescarias junto às rochas.

O barco era branco e tinha o número dezasseis pintado a verde na proa – era o seu número da sorte. Tinha também o  nome inscrito a azul, do lado esquerdo que é o lado do coração e este era o nome da dona do sorriso que pertencia ao seu.
O rapaz tinha os cabelos negros e ondulados e os olhos da cor dos mares por onde navegava – ora azuis de um transparente cristalino, ora de um verde profundo ora de um cinzento misterioso. Raramente perdiam a calma, os seus olhos.
A vida no barco era boa e o rapaz nunca se fartava – acordava cedo, com as gaivotas a darem-lhe os bons dias enquanto debicavam migalhas de pão  que ele lhes deixava quando ia sacudir a toalha do jantar. Gostava de ver o sol nascer lá no horizonte, que era sempre uma ténue linha branca que separava o contínuo que, ali, era  céu e mar.
O rapaz era um exímio velejador – sabia sempre de onde esperar o vento, a quantos nós o barco navegava, a profundidade das águas e fazer os cálculos para ancorar. Cuidava do seu barco como quem cuida de uma família – assegurava que o convés estivesse sempre limpo,  os mastros e as velas em ótimo estado,  que houvesse sempre água e  reservas na cozinha.
Sempre que o tempo o permitia o rapaz gostava de pescar( e deliciava-se com os banquetes de sashimi que preparava!) e de mergulhar. Perdia-se nesse mundo líquido e submerso, silencioso e misterioso que era o fundo do mar  - entre algas translúcidas, corais tecnicolor, cavalos e ouriços marinhos, nadava ao lado dos mais variados  peixes: raias espalmadas, robalos brilhantes, aguçados peixe-espada e seus parentes menores peixe-agulha,  estranhos peixe-relógio, inchados peixe-balão e encantava-se com esses seres meio plantas meio animais que são as anémonas, as esponjas e as medusas -  conhecia-lhes de cor as cores e os nomes completos – alicia mirabillis, clavelina lepadiformis. Podia passar horas  nestas expedições subaquáticas só interrompidas pelas vindas à tona para sorver oxigénio.
Assim deu a volta ao mundo três vezes e conheceu portos e vilas e praias e povos de todos os géneros e feitios - foi guardando na alma alguns inimigos e muitos amigos. Só o seu coração permanecia preso a um só nome, um só rosto, um só sorriso.
Por vezes tinha que enfrentar tempestades, ventos fortes e trovoadas  - dias e dias em que parecia ser sempre noite, noites e noites de vigília tentando manter o seu barco à tona ou leva-lo a  bom porto. Às vezes tinha medo, às vezes perdia o norte e até a calma. Mas nunca a  esperança. Fechava os olhos com força e via o sorriso do seu amor e aí tinha a certeza que tudo iria conseguir superar e que, como tão bem se sabe, depois da tempestade logo viria a bonança dos dias quietos e das brisas suaves.
-       Gostavas de ser marinheiro, meu rapazinho? – perguntou-lhe ela numa tarde de  fim de verão – o mar quieto na praia, os veleiros ao fundo, alinhados numa desordem quase geométrica, as velas num bailado tonto–levar uma vida embarcadiça e viver num mundo de água, longe de mim?
Ele sorriu-lhe: estarias sempre comigo!
-       E como se chamaria esse teu barco à vela, marinheiro?
-       Mariana - respondeu-lhe  o rapaz mesmo antes de se atirar, com um mergulho estrondoso, naquele mar imenso. Ela, claro, foi atrás.

abaixo assinado

Este texto quer ser um abaixo assinado.

Quem quiser, pode e deve assinar por baixo - não me interessam os direitos de autor.

Interessa-me que o país ande para a frente. Que se deixe de viver tão mal em Portugal.
Claro que tudo depende do termo de comparação - haverá obviamente muitos lugares onde se vive mil vezes pior. Mas não podemos deixar de ter termos de comparação. E, embora não tenha estado em todos, acredito que na esmagadora maioria dos países europeus não se vive tão mal. É certo também que tenho agora sensores onde antes não tinha: entrou o João Maria na minha vida, como se sabe. Mas se fechar os olhos e pensar em Madrid, em Bruxelas, em Lubliana, tenho quase a certeza que as questões que agora me saltam aos olhos lá não se poriam.

Não quero ser maçadora, não quero ser derrotista ou pessimista. Mas a verdade é que em algumas coisas parecemos terceiro mundo. É certo que não andei a correr todas as cidades e vilas e praias do país com o meu bebé mas garanto-vos que, por onde estive, foi sempre com dificuldade que andei. Digo assim, na primeira pessoa porque no fundo, sem mim, ele não anda: tem de ir num apoio de rodas, que é a forma de ele se deslocar. E fico ainda mais sensibilizada porque penso em todos os cidadãos que têm de o fazer, não importa se são bebés ou não. Se por um período da sua vida ou para sempre.

Não faz grande diferença estarmos no norte ou no Algarve, no que toca a acessibilidades para  transeuntes de rodas o cenário é sempre o mesmo: a ausência  de rampas de acesso é  gritante- seja dos passeios para as lojas, dos elevadores para os apartamentos ou dos passeios para a estrada ( bem, às vezes nestes casos aparece uma ou outra mas ah, que má sorte, estão fora das passadeiras!); na maioria dos casos os passeios ou não existem, ou são estreitinhos de mais para o carrinho caber ( também aqui, há que dizer, aparecem alguns bem largos mas para albergar um candeeiro ou banco ou caixote do lixo bem no meio!) ou passeios a acabar abruptamente -  que nos obrigam a fazer o caminho todo para trás porque a altura para o descer quase causa vertigens ou porque uma filinha de mecos (?!) implacáveis impedem a passagem; paralelo e mais paralelo para que a trepidação torne o caminho insuportável; semáforos a demorar cinco segundos no verde para que a travessia da estrada seja uma aventura radical; restaurantes, agradabilíssimos diga-se a verdade, junto à praia mas de acesso restrito: a quem puder subir e descer algumas dezenas de escadas pelo próprio pé, claro está!

Já não falo da falta de jardins e parques urbanos, já não falo de vivermos cada vez mais em cima de vias de acesso, sem redes de comércio tradicional que nos sirvam junto a nossa casa, em ambientes citadinos suportáveis e humanos e  que nos tornariam a vida um bocadinho mais fácil - mas claro, desde que ficamos à mercê da maravilha do futuro que são os shoppings e os hipermercados que passamos a viver numa espécie de desertos, correndo para os tais "oásis- abertos- a- toda -hora" ( e agora ao domingo, para, pois claro, nos facilitar a vida!) sempre que precisamos de algo  - não importa se tem de se pegar no carro, atravessar a cidade em filas e filas, respirar um ar irrespirável e estourar com o limite do cartão de crédito!
 Mas vá, sejamos justos, ao menos esses têm rampas, elevadores e pisos lisinhos para as nossas rodinhas  nunca terem de parar !

a maior aventura

O João Maria nasceu. E o mundo foi outro.
O meu mundo mudou, porque mudaram os meus olhos, as minhas mãos o meu coração.Porque se passa a sentir noutra dimensão. Porque tudo é mais verdadeiro, mais duro, mais intenso, mais forte e mais fraco.

O João Maria nasceu e a vida foi outra.
Percebem-se milhares de coisas novas, é-nos revelada uma nova forma de vida - como se passássemos a fazer parte de um qualquer clube secreto até aqui completamente vedado.
 Não se volta  para onde se estava. Para o bem e para o mal. Passa-se uma fronteira sem regresso. A partir daqui, o caminho é outro, a ordem das coisas é outra. Nem sei mesmo se sobra muito do que éramos antes.

Devo lhe a ele esse renascimento. Para sempre. Devo lhe a ele ter- me visto a mim própria de outro lado. Ter compreendido muitas coisas que até aqui eram indecifráveis, veladas, inquietantes. Ter compreendido muito mais coisas acerca do que dizem os olhos da minha mãe e do meu pai,o que diziam os dos meus avós. Porque não há palavras que consigam ir tão fundo.

Ter um filho muda tudo. Sobretudo neste mundo em que nos calhou viver.
Sente-se um bocadinho a sensação da queda livre porque não se pode medir tudo, programar tudo, decifrar tudo. Não se pode controlar tudo como estamos habituados a fazer.
Aprende-se a aceitar o que de mais animal e puro temos.
Perdemos as máscaras, a ordem à muito ditada para os nossos dias.
Somos obrigados a ir mais fundo. A sair da superficialidade com que nos habituamos a ver-nos ao espelho e, ao mesmo tempo,sentimos a revolver cá dentro o que de mais simples, inato e mágico existe em nós.
Obriga-nos a crescer muito de repente - nós, que permanecemos numa espécie de infantilidade latente até tão tarde!
Obriga-nos a correr riscos muito maiores, porque sem qualquer rede, do que alguma vez nos obrigaram a correr - nós que fomos sempre tendo a vidinha mais ou menos organizada!
Ser mãe e filho não é romântico. É duro. É instinto, é sobrevivência.
Sobrevêem a nossas maiores forças e as maiores fragilidades. Ao mesmo tempo. E isso é um turbilhão que nos mudará para sempre. Que nos varre a alma e deixa tudo num reboliço. 
A sensação é que uma nova ordem emergirá e seremos pessoas infinitamente melhores. Porque mais humanos.

20 outubro 2010

4- ionline 12.05.10


TEDx: "As boas ideias são as que se têm de manhã"
No próximo dia 15 de Maio, João Cunha é um dos speakers da TEDx Lisboa

Quem o diz é João Cunha, um dos speakers deste pequeno milagre que foi o TEDx Lisboa - UM DIA DE IDEIAS COM MENTES ABERTAS... a varidadíssimas coisas: à mudança, à descoberta, à acção, à sabedoria... todas elas importantes nos dias que correm.

Sei que o  evento TED nasceu nos EUA, sei que quer dizer Tecnologia, Entretenimento e Design, mas que também quer dizer muito mais: sob a missão de espalhar ideias que valham a pena, junta gente de vários os quadrantes, de todas as àreas, conhecidos e desconhecidos, mas todos atentos ao mundo, quer na audiência quer no palco.

O x pequenino deste TED Lisboa tem a ver com o facto de ele ser independente - uma especie de filho do TED-Pai, que quer singrar sozinho - à custa de organizadores independentes, de apoios locais, de voluntários, de boa vontade e da participação sem lucro de todos quantos queiram assistir e partilhar - bebe do espírito de família de que o importante é partilhar ideias relevantes.

Eu acho que o fenómeno em si vai bem mais longe!
Mostra-nos o caminho - ou neste caso, como apanágio da mentalidade TED , os caminhos - do futuro!
Eu assisti à conferência online - ao vivo e a cores. De forma gratuita.A partilhar opiniões just in time com outros cibernautas espalhados pelo país e pelo mundo que não podiam lá estar. E ainda a falar com a Mariana, jornalista do I, trocando opiniões, informações e reclamações  - sim, às vezes o som ficava muito baixo, às vezes a imagem caía, outras vezes ficava parada - não importa. O que importa é tudo o que se fez acontecer no sábado e tudo que se fez foi bom.

Estiveram no palco mais de 20 pessoas que, supostamente, teriam algo de interessante para nos dizer ( e como isso é raro!).  Uns apelaram ao riso e às emoções, outros tocaram-nos com a sua arte, outros verteram a sua ciência para o nosso dia a dia, outros despertaram consciências adormecidas. Alguns fizeram isto tudo ao mesmo tempo, em 18 minutos, mais coisa menos coisa.

Tudo gente muito válida, tudo gente que pode fazer o nosso país e até o nosso mundo avançar, caminhar num sentido melhor. Tudo gente que nunca tem  tempo de antena na prisão global em que meia duzia de anónimos tornaram as sociedades e a informação  do século XXI. Provavelmente não interessa que tenha. Ok - quem paga é quem manda.

O  pequeno milagre deu-se nas instalações cedidas por uma universidade, onde estuda engenharia um aluno da Ericeira que pelas leis da sociedade do século XXI nunca deveria lá estudar, mandado por um senhor que pelas leis dos tais que pagam   nunca deveria ser político, que foi convidado pela tal independência de  quem se empenhou em que este evento acontecesse. Talvez inspirado por conhecer outras formas de encarar o pensamento, talvez envolvido por quem conhece outras formas de encarar o mundo - e não é muito disso que todos estamos a precisar?

Por isso se percebe a vontade quase geral demonstrada por quem assistia online de que o que ali aconteceu pudesse ser partilhado - porque era importante que muitos, mas mesmo muitos, portugueses pudessem ver, ouvir, para podermos enfim lutar contra a mediocridade e, parece-me, fazer-se  cumprir todo o potencial que este projecto encerra. Porque o fenómeno vai ser dificil de parar.Vai ser impossível não envolver cada vez mais cidadãos atentos ao mundo e dispostos a mudar.

Há muita gente a querer ter voz, que tem, com toda a certeza, uma ideia que valha a pena espalhar, uma história pessoal espantosa, uma performance tecnológica de deixar o queixo de banda, um "como" único, qualquer coisa que pense poder fascinar, excitar, educar, inspirar ou deliciar-nos a todos. E, por estranho que pareça neste nosso mundinho da cunha, do sobrenome, do status, do vil metal e do snobismo, é só mesmo isto que é preciso( e preencher um formulário, ok) para fazer-se ouvir. Para assistir  e reproduzir nas nossas vidas é  só mesmo preciso vontade.

Alguém escreveu que uma experiência TED é como " um spa para a mente" - e é verdade.
É um espaço de liberdade, de criatividade, de não censura (MESMO!), de inspiração, de onde se sai ( mesmo quem como eu nem entrou!) com um espiritio renovado e a alma cheia.
E claro, com  a cabeça a fervilhar de boas ideias... mesmo já não sendo de manhã :)